Acromegalia

Alterações Musculoesqueléticas na Acromegalia

Introdução 

A acromegalia é caracterizada pelo excesso de hormônio do crescimento (GH) e do fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF-1), resultando em uma infinidade de queixas clínicas. 

O tratamento multimodal – ressecção cirúrgica do adenoma, radioterapia e tratamento farmacológico – resultam no controle da doença na maioria dos pacientes, com melhora concomitante dos sintomas e das comorbidades. No entanto, os pacientes podem sofrer de queixas (parcialmente) irreversíveis, persistentes ou tardias. 

Uma das complicações acromegálicas esqueléticas que mais invalidam é a artropatia, afetando tanto as articulações periféricas quanto as axiais. É um problema frequente encontrado na acromegalia e está associada a uma redução na qualidade de vida.  

Afeta cerca de 70% dos indivíduos no momento do diagnóstico (os mais prevalentes são artropatia, osteoatrite e síndrome do túnel do carpo). 

As articulações mais comumente envolvidas são quadris, ombros, joelhos, mãos e cotovelos 

Na avaliação radiográfica, a artropatia acromegálica exibe um fenótipo único com osteofitose grave (OP) e alargamento do espaço articular distinto (JSW), diferindo da osteoartrite primária. 

O diagnóstico precoce e o tratamento adequado das doenças podem prevenir o desenvolvimento de complicações irreversíveis da doença e melhorar a qualidade de vida dos portadores da doença. 

O hormônio do crescimento (GH) e seu mediador periférico, o fator de crescimento semelhante à insulina-1 (IGF-1), desempenham um papel significativo na regulação do metabolismo ósseo. 

Durante a infância, o GH estimula o crescimento ósseo longitudinal. Durante a adolescência e início da idade adulta, o GH estimula a maturação esquelética até atingir o pico de massa óssea. 

Na idade adulta, o GH é importante na manutenção da massa óssea por meio da regulação do turnover ósseo. 

Os níveis séricos de GH diminuem com o aumento da idade (desempenha um papel na patogênese da osteoporose pós-menopausa e senil). 

Fisiopatologia 

  • Artropatia 

A patogênese da artropatia é complexa, incluindo excesso de GH/IGF-1 e alterações degenerativas secundárias.  

No estágio inicial, o excesso de GH estimula a produção local de IGF-1 na cartilagem que em conexão com níveis elevados de IGF-1 circulante resulta em replicação e hiperfunção dos condrócitos articulares e aumento da síntese de matriz. A cartilagem começa a engrossar, levando ao alargamento da articulação e hipermobilidade das articulações. O GH também estimula a hiperfunção das células conjuntivas, resultando no crescimento de estruturas periarticulares, a hipertrofia sinovial exacerba ainda mais a carga mecânica anormal das articulações. Nesta fase a artropatia pode ser invertida pelo controle da hipersecreção de GH e IGF-1.  

Com a progressão da doença, fissuras se desenvolvem na superfície da cartilagem e aumentam progressivamente, enquanto a fibrocartilagem regenerativa prolifera desproporcionalmente mais do que na osteoartrite, presumivelmente como resultado da estimulação do hormônio do crescimento. A fibrocartilagem regenerativa freqüentemente torna-se calcificada, resultando na formação de osteófitos. Em casos avançados, as fissuras estendem-se até o osso subcondral, alargam-se e tornam-se rebaixadas, produzindo ulceração da cartilagem articular. Em última análise, a cartilagem articular torna-se mais fina com estreitamento do espaço articular, um processo que apresenta muitas características com a osteoartrite. Nesta fase da artropatia acromegálica não pode ser melhorada pela supressão de GH e IGF-1 

  • Osso 

O hormônio do crescimento (GH) e o fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1) estimulam a proliferação, a diferenciação e a produção de matriz extracelular nas células osteoblásticas. O GH e o IGF-1 também estimulam o recrutamento e a atividade de reabsorção óssea nas células osteoclásticas. Um excesso sistêmico crônico de GH e IGF-1 produz um aumento da renovação óssea em pacientes acromegálicos. 

Receptores para IGF e GH foram demonstrados em osteoclastos, portanto GH e IGF-1 podem afetar diretamente sua função e atividade. Além disso, o eixo GH/IGF-1 afeta indiretamente a reabsorção óssea ao estimular a liberação de mediadores parácrinos que regulam a reabsorção óssea.  

GH e IGF-I também podem estimular a reabsorção óssea pelo envolvimento de citocinas como IL-6, receptor ativador do ligante do fator nuclear κB e TNF-α. 

O aumento da reabsorção óssea juntamente com os efeitos diretos do excesso de GH na função renal é provavelmente responsável por um balanço negativo de cálcio com perda óssea e fragilidade esquelética. No entanto, vale ressaltar que a DMO baixa não é uma característica clínica comum em pacientes com acromegalia. 

Curiosamente, os efeitos “anabólicos” ocorreram apenas no osso cortical, enquanto a microarquitetura trabecular mostrou ser afetada negativamente pelo excesso de GH. 

Saúde óssea 

Tanto a deficiência de GH quanto a acromegalia são tradicionalmente consideradas como causadoras de anormalidades na remodelação óssea. 

De fato, os dados sobre densidade mineral óssea (DMO) eram conflitantes porque alguns estudos relataram aumento da DMO em pacientes com acromegalia, alguns observaram redução da DMO e outros não encontraram nenhuma diferença na DMO entre acromegalia pacientes e indivíduos saudáveis. 

No entanto, nos últimos anos, vários estudos forneceram evidências convincentes de que pacientes com acromegalia podem apresentar fragilidade esquelética com alta prevalência e incidência de fraturas vertebrais, mesmo em pacientes com DMO normal. 

O local medido mais afetado foi o rádio distal porque os resultados da DMO do fêmur ou da coluna lombar podem ser distorcidos por calcificações periarticulares e danos à cartilagem (ficando superestimados), o que é muito comum na acromegalia. 

Pacientes com hipogonadismo apresentavam DMO menor na coluna lombar e colo do fêmur em comparação com pacientes com função gonadal normal. 

Acima de 50 anos até  40% dos pacientes com acromegalia são osteoporóticos.  

A prevalência de fratura vertebral em um estudo foi de 39% com um risco de fraturas vertebrais maior em pacientes com doença ativa em comparação com aqueles com doença controlada . Hipogonadismo e sexo masculino mostraram-se associados a maior frequência de fraturas.  

Fraturas vertebrais podem ocorrer mesmo em pacientes com DMO normal conforme medido por DXA, semelhante a outras formas de osteoporose secundária. Este é um achado clinicamente relevante que leva à busca de ferramentas alternativas de diagnóstico que reflitam melhor a qualidade do osso. 

Os marcadores bioquímicos de formação e reabsorção óssea estavam aumentados em pacientes com acromegalia em comparação com os controles, mas os marcadores de reabsorção óssea tendiam a ser mais aumentados em relação aos marcadores de formação óssea. 

Um estudo que avaliou marcadores bioquimicos ósseos encontrou que o cálcio, fósforo e CTX estavam aumentados no grupo acromegalia em relação ao grupo controle (saúdavel). Cálcio, fósforo e CTX estavam aumentados em pacientes com acromegalia ativa em comparação com aqueles em remissão. Cálcio e CTX foram aumentados em pacientes acromegálicos com hipogonadismo em comparação com aqueles sem hipogonadismo. 

Todos esses dados são consistentes com o conceito de que o excesso de GH impacta negativamente a saúde esquelética. No entanto, apenas alguns estudos relataram baixa DMO em pacientes com acromegalia e, na maioria dos casos, essa característica mostrou-se correlacionada com a coexistência de hipogonadismo não tratado. 

Artropatia 

Alta prevalência de queixas articulares autorreferidas persisti apesar do tratamento bem-sucedido de longo prazo da acromegalia. O quadro articular é um importante indicador de qualidade de vida prejudicada. 

Avaliação a longo prazo mostrou que a progressão radiográfica da osteoartrite ocorreu de forma significativa em todos os locais de articulação estudados (coluna, mão, joelho e quadril) mesmo com a acromegalia controlada. 

O  índice de osteoartrite das universidades de Western Ontario e McMaster (WOMAC) mostrou-se bom para quantificar a incapacidade motora. 

Os pacientes acromegálicos apresentaram pontuações significativamente piores em todos os itens do WOMAC em comparação com a população em geral. 

  • Manifestação clínica 

As principais manifestações da artropatia na acromegalia incluem dor nas articulações, principalmente em atividade da doença. 

Nas mãos, os sintomas podem coexistir com a síndrome do túnel do carpo. 

Achados típicos na acromegalia incluem alargamento das mãos e pés, com espessamento dos dedos das mãos e dos pés e tecidos moles. 

As articulações periféricas mais comumente afetadas sintomaticamente são os joelhos, quadris e ombros.  

Dor na coluna e alterações radiológicas no esqueleto axial são frequentes tanto na doença ativa quanto na controlada.  

O rosário acromegálico é um aumento palpável, mas não necessariamente visível, das junções costocondrais.  

  • Imagem 

Alterações características na radiografia simples incluem alargamento dos espaços articulares devido ao supercrescimento da cartilagem e espessamento dos tecidos moles, que ocorre nos estágios iniciais. 

As alterações articulares podem progredir para perda de cartilagem e características de doença articular degenerativa, que são eventualmente indistinguíveis da OA em muitos pacientes. 

Em pacientes acromegálicos, espaços articulares anormalmente largos são comuns, indicando cartilagem espessada, tanto entre a articulação femorotibial quanto na articulação patelofemoral. Os espaços articulares extremamente amplos combinados com osteofitose. 

Osteófitos acetabulares grosseiros, com amplos espaços articulares, indicativos de cartilagem retida ou hipertrofiada (quadril direito nesta radiografia). 

A principal característica da osteoartrite das mãos em pacientes acromegálicos é o espessamento das falanges, com as falanges terminais em forma de pá. Outras características incluíam alterações degenerativas nas articulações metacarpofalângicas, como esclerose subcondral e osteofitose com preservação do espaço articular decorrente do aumento da espessura da cartilagem. Assim, essa aparência conhecida da acromegalia ativa persiste mesmo durante o acompanhamento de longo prazo. 

  • Diagnóstico 

A artropatia acromegálica deve ser suspeitada em pacientes com acromegalia conhecida e dor nas articulações, muitas vezes com rigidez, e considerada em pacientes com osteoartrite (OA) que aparece prematura ou se apresenta em associação com a síndrome do túnel do carpo. 

  • Tratamento 

Até o momento, não estão disponíveis intervenções farmacológicas que previnam o aparecimento da osteoartrite ou retardem a progressão estrutural da doença.  

O controle rigoroso da hipersecreção de GH e IGF-1 é a pedra angular no manejo da artropatia acromegálica, uma vez que estudos anteriores mostraram maior perda de cartilagem e maior progressão da artropatia em pacientes com doença latente. 

Ao lado dos conselhos gerais de estilo de vida benéficos para a osteoartrite primária, como perda de peso e prevenção de lesões traumáticas, as opções atuais de tratamento são principalmente sintomáticas: analgésicos (paracetamol ou anti-inflamatórios não esteróides), injeções intra-articulares de corticosteroides ou terapia de substituição articular em caso de queixas articulares resistentes ao tratamento. 

Referências 

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  1. M J E Wassenaar and others, High prevalence of arthropathy, according to the definitions of radiological and clinical osteoarthritis, in patients with long-term cure of acromegaly: a case–control study, European Journal of Endocrinology, Volume 160, Issue 3, Mar 2009, Pages 357–365, https://doi.org/10.1530/EJE-08-0845 
Revisão médica: Dr. Diego Nunes

Reumatologista

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