trombose

Conheça a Sindrome Antifosfolípide (SAF)

Introdução

A síndrome antifosfolípide (SAF) é uma doença autoimune sistêmica com uma ampla gama de manifestações vasculares e obstétricas associadas a mecanismos trombóticos e inflamatórios mediados por anticorpos antifosfolípides (aPL).

Autoanticorpos são gerados contra diferentes epítopos do sistema de coagulação (principalmente contra proteínas ligantes de fosfolipídios) que resultam em trombose. (7)

Os anticorpos antifosfolípides não são específicos da SAF, podem ser detectados em diferentes contextos clínicos, inclusive em indivíduos saudáveis

A SAF pode ser uma doença secundária, frequentemente associadas a doenças autoimunes sistêmicas como o LES e também a doenças linfoproliferativas malignas e doenças hepáticas crônicas [ 8 ]. Porém pode aparecer sem qualquer doença subjacente e, neste caso, é chamada de síndrome antifosfolípide primária.

A doença tem uma prevalência de 40-50 casos por 100.000 indivíduos

Fisiopatologia

Os agentes infecciosos são os principais gatilhos para a formação de anticorpos antifosfolípides, um processo que é melhor compreendido para anticorpos anti-β2-glicoproteína 1.

O mimetismo molecular entre estruturas de bactérias ou vírus e sequências de aminoácidos derivadas de β2-glicoproteína-1 contribua para a formação de autoanticorpos, além disso, o dobramento incorreto da β2-glicoproteína 1 também pode induzir a formação de anticorpo.

Embora os anticorpos antifosfolípides estejam persistentemente presentes, os eventos trombóticos ocorrem apenas ocasionalmente, sugerindo que o desenvolvimento de anticorpos antifosfolípides é uma etapa necessária, mas insuficiente no desenvolvimento da SAF e que outros fatores desempenham um papel.

Esses ‘segundos golpes’ ou ‘gatilhos’ provavelmente empurram o equilíbrio hemostático em favor da trombose e podem incluir fatores ambientais (como infecção), fatores inflamatórios (como doenças concomitantes do tecido conjuntivo) ou outros fatores pró-coagulantes não imunológicos (como contraceptivos, cirurgia e imobilidade)

Manifestações Clínicas

As principais manifestações clínicas da SAF são a ocorrência de trombose (arterial e/ou venosa) e/ou morbidade gestacional, incluindo abortos recorrentes, óbitos fetais e complicações tardias da gravidez, como pré-eclâmpsia e restrição de crescimento intrauterino.

  • Trombose

Trombos únicos ou múltiplos em veias, artérias e microvasculatura e o intervalo de tempo entre essas manifestações pode variar de dias a anos. Essa variabilidade na localização dos trombos resulta no amplo espectro de apresentações clínicas que podem envolver muitos sistemas de órgãos.

O tromboembolismo venoso de membros inferiores é o mais comum.

A trombose deve ser confirmada por critérios objetivos validados

  • Morbidade gestacional

A SAF obstétrica pode estar associada a diversas complicações gestacionais, sendo o aborto recorrente com menos de 10 semanas de gestação a mais frequente.

A morbidade gestacional materna da SAF consiste em pré-eclâmpsia, eclâmpsia e descolamento de placenta.

  • Neurológico

O AVC é a manifestação neurológica mais comum e grave da SAF. No entanto, muitas outras manifestações neurológicas que não estão incluídas nos critérios têm sido associadas a anticorpos antifosfolípides, incluindo disfunção cognitiva (devido a várias tromboses de pequenos vasos cerebrais), cefaleias e enxaquecas intratáveis, epilepsia, coréia e outras manifestações por depósito imunocomplexo no sistema nervoso.

  • Cardíaca

As características cardíacas associadas à SAF variam de lesões valvares a aterosclerose acelerada, infarto do miocárdio, trombos intracardíacos, hipertensão pulmonar, cardiomiopatia e disfunção diastólica. A valva mitral é a mais comumente envolvida, seguida pela valva aórtica.

  • Renal

Microangiopatia trombótica associada a anticorpos antifosfolípides pode se manifestar com um início lento ou pode se desenvolver de forma aguda e apresentar insuficiência renal aguda e hipertensão.

  • Plaquetopenia

A plaquetopenia ocorre na SAF com uma frequência que varia de 20% a 50%, e o risco de sangramento estimado associado a ela é muito menor do que o risco trombótico associado à aPL (12).

A trombocitopenia associada à SAF é geralmente leve (70–120 × 10 9 /L) e benigna. Na maioria dos casos, nenhuma intervenção é necessária. (12)

Pacientes aPL-positivos com trombocitopenia sem as manifestações clínicas de SAF são diagnosticados e tratados como PTI primária. Pela mesma razão, a trombocitopenia grave associada à SAF é tratada como PTI primária.

  • SAF Catastrófica

Uma forma rara e grave de SAF que ocorre em <1% dos pacientes. É definida como trombose intravascular que afeta três ou mais órgãos, sistemas e/ou tecidos simultaneamente ou dentro de 1 semana com confirmação histológica de oclusão de pequenos vasos.

Diagnóstico

Nos critérios laboratoriais atuais para SAF é realizado a pesquisa dos anticorpos antifosfolípedes (aPL) podendo ser de três tipos: anticoagulante lúpico, anticorpos anticardiolipina ou anticorpos antibeta2-glicoproteina 1.

Existem outros anticorpos e biomarcadores que estão relacionados a doença, porém não entram nos critérios diagnósticos, como o anticorpo antifosfatilserina.

Para o diagnóstico é necessário 1 critério clínico e 1 critério laboratorial:

  • Clinico:

Evidencia de uma ou mais trombose arterial ou venosa

Morbidade gestacional

≥1 morte inexplicada de um feto morfologicamente normal ≥10 semanas de gestação.

≥1 parto prematuro de feto morfologicamente normal <34 semanas de gestação por causa de: pré-eclâmpsia grave ou eclâmpsia definida de acordo com a definição padrão; características reconhecidas da insuficiência placentária.

≥3 abortos consecutivos inexplicados < 10 semanas de gestação, com fatores maternos e paternos (anomalias anatômicas, hormonais ou cromossômicas) excluídos.

  • Laboratorial:

Presença de aPL, em duas ou mais ocasiões com pelo menos 12 semanas de intervalo e não mais de 5 anos antes das manifestações clínicas, conforme demonstrado por ≥1 dos seguintes: anticoagulante lúpico; título médio a alto (>40 GPL ou MPL, ou >99º percentil) anticardiolipina IgG ou IgM; anti-β2 glicoproteína-I (anti-β2GPI) IgG ou IgM > percentil 99.

Perfil de anticorpo antifosfolípede (aPL)

O tipo de aPL, a presença de aPL múltiplo (duplo ou triplo) versus o tipo de aPL único, seu título (título moderado-alto vs baixo) e a persistência da positividade de aPL em medições repetidas são definidos como o ‘perfil de aPL’.

O perfil de aPL é um importante fator determinante do risco de eventos trombóticos e obstétricos e, consequentemente, da intensidade do tratamento.

Para estratificar o risco trombótico existe alguns escores como o escore de antifosfolípides (aPL-S) e o Global Anti-phospholipid Syndrome Score (GAPSS). (10)

Títulos de aPL médio-altos.

  • Anticorpo anticardiolipina (aCL) do isotipo IgG e/ou IgM no soro ou plasma presente em títulos >40 unidades de fosfolipídios IgG (GPL) ou >40 unidades de fosfolipídios IgM (MPL), ou > o percentil 99, medido por um ELISA padronizado.
  • Anticorpo antibeta2 glicoproteína I do isotipo IgG e/ou IgM no soro ou plasma em título > percentil 99, medido por um ELISA padronizado.

Perfil aPL de alto risco.

  • A presença (em 2 ou mais ocasiões com pelo menos 12 semanas de intervalo) de anticoagulante lúpico, ou de duplo (qualquer combinação de anticoagulante lúpico, anticorpos aCL ou anticorpos anti-glicoproteína I beta2) ou triplo (todos os três subtipos) positividade de aPL, ou a presença de títulos de aPL persistentemente altos.

Perfil aPL de baixo risco.

  • Anticorpos aCL isolados ou anti-glicoproteína I beta2 em títulos baixos-médios, particularmente se transitoriamente positivos.

Manejo

1) Tromboprofilaxia primária em indivíduos aPL-positivos

  • Em portadores de aPL assintomáticos (que não atendem a nenhum critério de classificação vascular ou obstétrico) com perfil de aPL de alto risco com ou sem fatores de risco tradicionais, é recomendado o tratamento profilático com aspirina em baixa dose (75 – 100 mg por dia).
  • Em pacientes com LES e sem histórico de trombose ou complicações na gravidez: com perfil de aPL de alto risco, recomenda-se o tratamento profilático com AAS;  com perfil de aPL de baixo risco, o tratamento profilático com LDA pode ser considerado
  • Em mulheres não grávidas com história apenas de SAF obstétrica (com ou sem LES), recomenda-se o tratamento profilático com AAS após avaliação adequada do risco/benefício.

2)Tromboprofilaxia secundária na SAF

  • Em pacientes com SAF definida e primeira trombose venosa: recomenda-se o tratamento com Antagonistas da vitamina K (varfarina) com um INR alvo 2 – 3.
  • Em pacientes com primeira trombose venosa não provocada, a anticoagulação deve ser continuada a longo prazo.
  • Em pacientes com primeira trombose venosa provocada, a terapia deve ser continuada pelo tempo recomendado para pacientes sem SAF de acordo com as diretrizes internacionais (anticoagulação mais longa pode ser considerada em pacientes com perfil aPL de alto risco em medições repetidas ou outros fatores de risco para recorrência).
  • Em pacientes com SAF definida e trombose venosa recorrente apesar do tratamento com AVK com um INR alvo de 2 – 3:

 A investigação e educação sobre a adesão ao tratamento.

  1. Se a meta de INR de 2 – 3 tiver sido alcançada, a adição de AAS ou o aumento da meta de INR para 3 – 4 ou a mudança para Heparina de baixo peso molecular podem ser considerados.
  • Em pacientes com SAF definida e primeira trombose arterial:

O tratamento com varfarina é recomendado sobre o tratamento apenas com AAS.

Recomenda-se o tratamento com varfarina com INR 2 – 3 ou INR 3 – 4 , considerando o risco de sangramento e trombose recorrente do indivíduo. O tratamento com AVK com INR 2 – 3 mais LDA também pode ser considerado.

  • Não é recomendado o uso de DOACs em pacientes com SAF e eventos arteriais definitivos devido ao alto risco de trombose recorrente
  • Em pacientes com trombose arterial recorrente apesar do tratamento adequado com varfarina, após avaliação de outras causas potenciais, pode-se considerar aumento da meta de INR para 3 – 4 , adição de AAS ou mudança para HBPM.

3)SAF obstétrica

  • Em mulheres com perfil de aPL de alto risco, mas sem histórico de trombose ou complicações na gravidez (com ou sem LES), o tratamento com AAS (75 – 100 mg/dia ) durante a gravidez deve ser considerado.
  • Em mulheres com história apenas de SAF obstétrica (sem eventos trombóticos prévios), com ou sem LES:

Com história de ≥ 3 abortos espontâneos recorrentes < 10ª semana de gestação e naquelas com história de perda fetal ( ≥ 10ª semana de gestação), recomenda-se o tratamento combinado com AAS e heparina na dosagem profilática durante a gravidez.

Com história de parto < 34 semanas de gestação por eclâmpsia ou pré-eclâmpsia grave ou por características reconhecidas de insuficiência placentária, recomenda-se o tratamento com AAS ou AAS e heparina na dosagem profilática, considerando o perfil de risco do indivíduo.

Com SAF obstétrica ‘ não-critério ‘ clínica, o tratamento com AAS isoladamente ou em combinação com heparina pode ser considerado com base no perfil de risco do indivíduo .

As manifestações obstétricas ‘não-critério’ da SAF incluídas em nossa pesquisa foram a presença de dois abortos espontâneos recorrentes < 10 semanas de gestação ou parto ≥ 34 semanas de gestação devido a pré-eclâmpsia grave ou eclâmpsia.

Com SAF obstétrica tratada com dose profilática de heparina durante a gravidez, a continuação da heparina na dose profilática por 6 semanas após o parto deve ser considerada para reduzir o risco de trombose materna.

  • Em mulheres com SAF obstétrica “ critérios ” com complicações recorrentes na gravidez, apesar do tratamento combinado com AAS e heparina na dosagem profilática, pode-se considerar o aumento da dose de heparina para a dose terapêutica ou adição de hidroxicloroquina ou prednisolona em baixa dose no primeiro trimestre. O uso de imunoglobulina intravenosa (IGIV) pode ser considerado em casos altamente selecionados.
  • Em mulheres com história de SAF trombótica, recomenda-se o tratamento combinado de AAS e heparina em dosagem terapêutica durante a gravidez.

4)SAF catastrófica

Os fatores precipitantes mais comuns para o desenvolvimento de SAF catastrófica são a descontinuação da anticoagulação em pacientes com diagnóstico prévio de SAF, infecções e procedimentos cirúrgicos.

A terapia combinada com glicocorticoides, heparina e plasmaférese ou IVIG é recomendada em vez de agentes únicos como tratamento de primeira linha de pacientes com SAF catastrófica.

O tratamento concomitante de fatores precipitantes também é recomendado (por exemplo, infecções ou malignidade).

Em casos refratários, terapias de depleção de células B (por exemplo, rituximabe) ou de inibição do complemento (por exemplo, eculizumabe) podem ser consideradas com base em dados de relatos de casos.

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Referências

  1. Tektonidou MG, Andreoli L, Limper M, et al. EULAR recommendations for the management of antiphospholipid syndrome in adults.Annals of the Rheumatic Diseases 2019;78:1296-1304.

  2. Schulman S,Svenungsson E,Granqvist S. Anticardiolipin antibodies predict early recurrence of thromboembolism and death among patients with venous thromboembolism following anticoagulant therapy. Duration of Anticoagulation Study Group. Am J Med 1998;104:332–8.doi:10.1016/S0002-9343(98)00060-6

  3. Tomasello R, Giordano G, Romano F, Vaccarino F, Siragusa S, Lucchesi A, Napolitano M. Immune Thrombocytopenia in Antiphospholipid Syndrome: Is It Primary or Secondary? Biomedicines. 2021 Sep 6;9(9):1170.

  4. Schreiber, K., Sciascia, S., de Groot, P. et ai. Antiphospholipid syndrome (APS)Nat Rev Dis Primers 4, 17103 (2018). https://doi.org/10.1038/nrdp.2017.103

Revisão médica: Dr. Diego Nunes

Reumatologista

CRM 192102 - SP

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