manejo do lúpus

Recomendação EULAR 2023 no manejo do Lúpus Eritematoso Sistêmico

Intervenções não farmacológicas, incluindo proteção solar, cessação do tabagismo, dieta saudável e equilibrada, exercício regular e medidas para promover a saúde óssea são importantes para melhorar os resultados a longo prazo. 

As intervenções farmacológicas devem ser orientadas pelas:  

  • Características do paciente (etnia, condições socioeconómicas, acesso) 
  • Tipo e gravidade do envolvimento de órgãos 
  • Danos relacionados ao tratamento 
  • Comorbidades 
  • Risco de danos progressivos aos órgãos  
  • Preferências do paciente. 

O diagnóstico precoce do LES (incluindo avaliação serológica), o rastreio regular do envolvimento de órgãos (especialmente nefrite), o início imediato do tratamento visando a remissão (ou baixa atividade da doença, se isso não for possível) e a adesão estrita ao tratamento são essenciais para prevenir crises e danos a órgãos, além de melhorarem o prognóstico e a qualidade de vida. 

Hidroxicloroquina 

Não deve ultrapassar dose além de 5 mg/kg de peso corporal real/dia (risco de toxicidade retiniana).  

Porém um estudo observacional, avaliou risco maior de surto da doença com doses menores de 5mg/kg/dia quando comparado a doses acima. Por isso deve ser individualizado com base no risco de exacerbação e toxicidade retiniana, sendo os pacientes com maior risco de toxicidade retiniana (doença renal, doença macular ou retiniana preexistente, uso de tamoxifeno) candidatos a um acompanhamento oftalmológico mais próximo. Em pacientes e circunstâncias selecionadas (por exemplo, doença moderada ou grave), a dose inicial de HCQ superior a 5 mg/kg/dia (mas não superior a 400 mg/dia) pode ser usada, seguida pela redução da dose para dentro da faixa assim que o paciente melhorou.  

A cloroquina pode ser usada como alternativa, tendo em mente que pode ser mais tóxica que a HCQ (principalmente em termos de toxicidade retiniana).  

Glicocorticoide  

Os glicocorticoides, se necessários, são dosados ​​com base no tipo e gravidade do envolvimento de órgãos. 

Devem ser reduzidos para dose de manutenção ≤5 mg/dia (equivalente a prednisona) e, quando possível, retirado. 

Idealmente, poder-se-ia imaginar o uso de GC apenas como “terapia de ponte” no LES, semelhante à artrite reumatoide (dose mais baixa possível durante o período mais curto possível), e a retirada completa do GC é o alvo ideal. 

Em pacientes com doença moderada a grave, pulsos de metilprednisolona intravenosa (125–1.000 mg por dia, por 1–3 dias) podem ser considerados 

Em pacientes que não respondem à hidroxicloroquina (sozinha ou em combinação com glicocorticoides) ou pacientes incapazes de reduzir os glicocorticoides abaixo de doses aceitáveis ​​para uso crônico, adição de agentes imunomoduladores/imunossupressores (por exemplo, metotrexato, azatioprina ou micofenolato) e/ou agentes biológicos (por exemplo, belimumabe ou anifrolumabe ) devem ser considerados. 

Esta declaração enfatiza o valor dos medicamentos imunomoduladores/imunossupressores convencionais e biológicos para o controle da doença e facilitação da redução gradual e retirada do GC.  

Na recomendação, não há hierarquia na escolha entre anifrolumabe e belimumabe. 

O uso prévio de um medicamento imunossupressor convencional (MTX, AZA, micofenolato, leflunomida e outros) não deve ser obrigatório para iniciar anifrolumabe ou belimumabe. A lógica que motivou esta afirmação foi que, apesar do seu custo substancialmente mais elevado, os medicamentos biológicos aprovados provaram a sua eficácia em ensaios clínicos randomizados de alta qualidade, enquanto tais dados faltam para os medicamentos imunossupressores convencionais, que continuam a ser utilizados com base nos resultados reais de longo prazo dos reumatologistas. 

Em pacientes com doença com risco de órgãos ou de vida, deve ser considerada a ciclofosfamida intravenosa. Em casos refratários, pode-se considerar rituximabe. 

Devido à sua toxicidade gonadal, o CYC IV em altas doses é reservado para casos graves de lúpus, nos quais pode ser considerado devido à sua alta eficácia.  

O rituximabe (RTX) é usado off-label no LES e é recomendado em circunstâncias em que outros medicamentos falharam, com algumas exceções. 

Doença refratária pode ser entendida como uma doença que não responde a diferentes classes de medicamentos imunossupressores. 

Poderão ser oferecidas outras opções aos doentes que não respondam a nenhuma das terapias acima mencionadas, tais como plasmaférese,  transplante de células hematopoiéticas ou terapias experimentais. Em 2022, o uso de células T CAR em cinco pacientes com LES grave e refratário foi publicado com resultados encorajadores, mas são necessários ensaios clínicos randomizados e mais dados de longo prazo.  

Cutâneo 

Cutânea ativa deve incluir agentes tópicos (glicocorticoides, inibidores da calcineurina) antimaláricos (hidroxicloroquina, cloroquina) e/ou glicocorticoides sistêmicos. 

Conforme necessário, associar com anifrolumabe, belimumabe, metotrexato ou micofenolato, considerados terapia de segunda linha. 

Outras opções são: dapsona, retinoides, inibidor de calcineurina, azatioprina, ciclofosfamida e rituximabe. Talidomida para os casos refratários aos anteriores. 

Neuropsiquiátrico 

Na doença neuropsiquiátrica ativa atribuída ao LES, devem ser considerados glicocorticoides e agentes imunossupressores para manifestações inflamatórias e agentes antiplaquetários/anticoagulantes para manifestações relacionadas a anticorpos aterotrombóticos/antifosfolípides. 

Para manifestações inflamatórias graves (por exemplo, mielopatia, estado de confusão aguda), agentes imunossupressores potentes, como ciclofosfamida e rituximabe. 

Nas terapias biológicas ( belimumabe e anifrolumabe) esses pacientes foram excluídos dos estudos. 

O tratamento anticoagulante é indicado principalmente em casos de doença cerebrovascular, como acidente vascular cerebral isquêmico associado a aPL, pois seu valor em outras manifestações não é claro.  

Plaquetopenia 

Para tratamento agudo de trombocitopenia autoimune grave, glicocorticoides em altas doses (incluindo pulsos de metilprednisolona intravenosa), com ou sem imunoglobulina G intravenosa e/ou rituximabe, e /ou ciclofosfamida intravenosa em altas doses, seguida de terapia de manutenção com rituximabea, azatioprina, micofenolato ou ciclosporina, deve ser considerada. 

O micofenolato reduz a recaída quando utilizado como primeira linha num ECR em pacientes com trombocitopenia imune.  Embora um ECR semelhante não tenha sido realizado no LES, este estudo forneceu uma prova de conceito para o uso de primeira linha de medicamentos imunossupressores na trombocitopenia imunológica, uma prática comumente seguida pela maioria dos reumatologistas. 

Um número de plaquetas de 20 a 30.000/mm 3 é normalmente usado como ponto de corte, abaixo do qual a terapia é indicada. 

Quanto à escolha do medicamento para terapia de manutenção, não há hierarquia entre os medicamentos recomendados, ficando isso a critério do médico assistente.  

Nos casos refratários a essas drogas, os agonistas do receptor de trombopoietina (cuidados com eventos tromboembólicos, evitar o uso em pacientes com antifosfolípedes reagente) e a esplenectomia são opções. 

As mesmas recomendações (exceto pelo agonista do receptor de trombopoietina) valem para anemia hemolítica autoimune.  

Nefrite 

Pacientes com nefrite lúpica proliferativa ativa devem receber ciclofosfamida intravenosa (EuroLupus) ou micofenolato e glicocorticoides (pulsos de metilprednisolona intravenosa seguidos de doses orais mais baixas) 

Deve ser considerada terapia combinada com belimumabe (com ciclofosfamida ou micofenolato) ou inibidores de calcineurina (especialmente voclosporina ou tacrolimus, combinados com micofenolato). 

Em pacientes com alto risco de insuficiência renal (definida como taxa de filtração glomerular reduzida, presença histológica de crescentes celulares ou necrose fibrinóide ou inflamação intersticial grave), ciclofosfamida intravenosa em altas doses (NIH – 0,5–0,75 g/m2 mensal por 6 meses) em combinação com pulso intravenoso, metilprednisolona pode ser considerada. 

As discussões giraram principalmente em torno da posição desses medicamentos no algoritmo terapêutico, sendo assim foi considerado: 

A NL é, por padrão, uma doença grave, acompanhada de aumento da morbidade e mortalidade, e levando à perda gradual de néfrons e à doença renal crônica; as taxas de resposta completa em 1–2 anos com terapia padrão são baixas (20 a 30%); tanto o belimumabe quanto a voclosporina com base em seus ECRs foram aprovados para todos os pacientes com NL ativa. 

Analises post-hoc avaliaram que a combinadação do belimumabe com a terapia padrão reduziu o risco de crises em 55% , com uma melhor preservação da função renal. 

Para esse fim, a possibilidade de uma recomendação universal de terapia combinada precoce com o objetivo de aumentar as taxas de resposta renal foi intensamente discutida. 

Os contra-argumentos incluíram o alto custo dessas terapias e o potencial de tratamento excessivo de alguns pacientes que responderiam ao tratamento apenas com micofenolato ou ciclofosfamida intravenoso em baixas doses, bem como as respectivas considerações de custo ou risco, particularmente relevantes para o uso a longo prazo de um inibidor de calcineurina. 

Foi proposto que a terapia combinada precoce “deveria ser considerada em todos os pacientes adultos com NL ativa, enfatizando o fato de que os médicos responsáveis ​​pelo tratamento têm a opção de decidir se e quando a terapia combinada deve ser utilizada. No caso dos CNIs, a combinação refere-se à voclosporina e também ao tacrolimus (TAC). 

Deve-se notar que nem o belimumab nem a voclosporina induziram taxas de resposta renal mais elevadas versus placebo numa análise RCT post-hoc do pequeno subgrupo de pacientes com NL classe V (estavam subrepresentados nos estudos). Assim sendo necessita mais estudos para essa classe pura. É digno de nota que o ponto de corte de proteinúria recomendado para tratamento imunossupressor na NL classe V permanece em 1 g/dia, de acordo com as recomendações. 

Belimumab foi mais eficaz em pacientes com proteinúria basal inferior a 3 g/dia. Voclosporina proporcionou uma rápida redução da proteinúria, o que pode ser preferível em pacientes com valores basais elevados de proteína urinária na faixa nefrótica (porém nos estudos com voclosporina, pacientes com TFG < 45 foram excluídos e no BLISSLN com TFG<30). 

A decisão final para o tratamento da NL ativa deve depender das características individuais do paciente (classe histológica, taxa de filtração glomerular, proteinúria), presença de manifestações extrarrenais, comorbidades, risco de toxicidade, acesso a medicamentos e questões de custo, e preferências do paciente. 

Se uma terapia combinada não for escolhida em pacientes com NL sem tratamento prévio, o tratamento complementar com belimumabe ou voclosporina deve ser considerado em pacientes com resposta inadequada em 3-6 meses, ou naqueles que pioram. 

Em relação à dosagem de GC, são recomendados pulsos de MP intravenoso (por exemplo, 250–1000 mg por 1–3 dias) como parte do regime inicial, seguidas por dose de 0,3-0,5 mg/kg/dia oral. É importante ressaltar que tanto o belimumabe quanto a voclosporina tiveram uma redução maior de corticoide em relação ao grupo controle. 

A microangiopatia trombótica (MAT) pode ser evidente em até 20% das biópsias de LN, particularmente na presença de aPL, e está associada a um impacto adverso no prognóstico. Além da terapia anticoagulante, há evidências emergentes para o uso de eculizumabe, um anticorpo monoclonal contra a proteína C5 do complemento que é eficaz em casos de MAT mediada pelo complemento, para pacientes com NL e evidência histológica de MAT. 

Manutenção: 

A meta do tratamento de indução é: redução da proteinúria ≥25% e 50% aos 3 e 6 meses, respetivamente, e abaixo de 500-700 mg/dia aos 12 meses, todos com TFG dentro de 10% da linha de base. Se atingida iniciar a terapia de manutenção. 

Após a resposta renal, o tratamento da NL deve continuar durante pelo menos 3 anos.  

Pacientes inicialmente tratados com micofenolato isolado ou em combinação com belimumabe ou um inibidor de calcineurina devem permanecer com esses medicamentos. 

É digno de nota que, no caso da terapia inicial com a combinação micofenolato/CNI, há uma preocupação em relação à duração da terapia, uma vez que o uso prolongado de CNIs “herdados” (tacrolimus, ciclosporina A) tem sido associado à nefrotoxicidade e ao declínio da TFG. Porém é tranquilizador que o estudo de longo prazo AURORA-2, que se estendeu até 3 anos de utilização da combinação voclosporina/micofenolato, tenha relatado recentemente níveis estáveis ​​de TFG ao longo do período de 3 anos. 

Enquanto micofenolato ou azatioprina devem substituir a ciclofosfamida para aqueles inicialmente tratados com ciclofosfamida isoladamente ou em combinação com belimumabe. O belimumab deverá ser continuado (se utilizado inicialmente). 

Em pacientes com LES que alcançam remissão sustentada, deve-se considerar a redução gradual do tratamento, com a retirada dos glicocorticoides primeiro (redução gradual do GC até à descontinuação deve ser tentada no LES). 

Em relação aos agentes imunossupressores os pacientes devem ter recebido pelo menos 3–5 anos de terapia e estar em remissão por pelo menos 2 anos antes que a retirada possa ser tentada. Antes da retirada, a redução gradual deve ser realizada de forma muito gradual. Uma decisão guiada por biópsia renal repetida para suspensão da terapia em pacientes em remissão clínica, a fim de avaliar a atividade histológica residual preditiva de um surto subsequente, é apoiada por estudos observacionais recentes e pode ser considerada, embora isso não tenha sido formalmente testado 

Ao contrário dos GC e dos medicamentos imunossupressores, a HCQ não deve ser descontinuado em pacientes com LES na ausência de efeitos colaterais inaceitáveis. 

LES associado a SAF 

O LES associado à síndrome antifosfolípide trombótica (SAF) deve ser tratado com antagonistas da vitamina K de longo prazo após o primeiro evento trombótico arterial ou venoso não provocado. 

Aspirina em baixas doses (75-100 mg/dia) deve ser considerada em pacientes com LES/sem SAF com perfil de aPL de alto risco. 

Em pacientes que não sofreram um evento trombótico, a profilaxia primária com aspirina em baixas doses deve ser considerada naqueles com perfil de aPL de alto risco, definido como positividade para anticoagulante lúpico, ou dupla (qualquer combinação de anticoagulante lúpico, anticorpos anticardiolipina, anticorpos beta2glicoproteina1) ou triplo. 

Além de outros efeitos benéficos, a HCQ também tem potenciais efeitos antitrombóticos e pode reduzir os níveis de aPL,e é particularmente recomendada em pacientes com LES-aPL ou LES/SAF. 

A SAF catastrófica (CAPS) é uma complicação rara da SAF, com trombose concomitante ou sucessiva em ≥3 órgãos. 

As condições precipitantes (por exemplo, infecções) devem ser procuradas e tratadas agressivamente, para minimizar o risco de desenvolvimento de CAPS. A terapia com anticoagulação heparina, GC em altas doses e plasmaférese e/ou IVIG é recomendada.  Inibidores do complemento (eculizumabe) ou RTX podem ser considerados em CAPS refratária. 

Prevenções 

Devem ser realizadas imunizações para a prevenção de infecções (vírus herpes zoster, papilomavírus humano, gripe, COVID-19 e pneumococo), gestão da saúde óssea, nefroprotecção e risco cardiovascular, e rastreio de doenças malignas  

Tanto a vacina viva atenuada como a vacina zoster recombinante mais eficaz têm sido utilizadas em pacientes com LES e, embora os estudos sejam limitados, são consideradas seguras. Da mesma forma, vários estudos observacionais comprovaram a imunogenicidade e segurança das vacinas SARS-CoV-2, que são recomendadas para pacientes com LES. 

Em pacientes com NL, o tratamento adjuvante com agentes nefroprotetores é de extrema importância para desacelerar a perda de néfrons, em combinação com terapia imunossupressora. O bloqueio da renina-angiotensina-aldosterona é necessário, a menos que não seja tolerado, para controlar a hipertensão. 

Mais recentemente, novas classes de agentes, principalmente os inibidores do transporte de glicose de sódio 2 (SGLT-2) (“flozins”), ganharam atenção como medicamentos protetores renais para qualquer caso de DRC; O SGLT-2 é expresso em biópsias renais de pacientes com NL, e seu direcionamento parece razoável. Um estudo preliminar de dapagliflozina em um pequeno número de pacientes com LES (18 com NL) não encontrou diferença na proteinúria após a terapia.  Até que mais dados estejam disponíveis, os inibidores do SGLT-2 podem ser considerados em pacientes com NL com TFG reduzida abaixo de 60–90 mL/min ou proteinúria superior a 0,5–1 g/dia, além de ECA/ARBi durante a fase de manutenção.  

Referência:  

  1. Fanouriakis A, Kostopoulou M, Andersen J, et al. EULAR recommendations for the management of systemic lupus erythematosus: 2023 update. Annals of the Rheumatic Diseases Published Online First: 12 October 2023. doi: 10.1136/ard-2023-224762
Revisão médica: Dr. Diego Nunes

Reumatologista

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